O 5º pardal

            Bom, não sei bem como começar a escrever.

            É estranho vasculhar dentro de si e ver as palavras querendo saltar por entre os dedos no teclado e ao mesmo tempo olhar para o cursor na tela sumindo e aparecendo, sumindo e aparecendo esperando alguma palavra ser digitada e não conseguir juntar as letras em forma de palavras...

Os dias estão cada vez mais curtos, mais apertados, mais dolorosos, e continuam sem abreviar as dores, as desilusões, enfim, as surpresas. Como nos encaixar dentro desse mundo? Como é estar no padrão? Parar na Av. Rio Branco e ver as pessoas indo e vindo sempre tão ocupadas, sempre tão apressadas com seus problemas, com suas contas bancárias, com as suas decepções e ainda assim continuam na correria do dia que tem se tornado tão curto, tão apertado, tão doloroso. A mãe que saiu pra trabalhar e deixou o filho no hospital; o homem que saiu pra resolver a papelada do divórcio; a menina que saiu pra escola e decidiu que era hora de mudar, de ser um pouquinho mais radical, menos certinha; o rapaz que saiu pra encontrar a namorada e a achou com outro; o empregado que acabou de ser demitido; o patrão que corre atrás de negociação para as dívidas. Pessoas e pessoas correndo de um lado para o outro, deixando os minutos serem preenchidos pelos afazeres... Afinal pra que sonhar e acordar assustado e de novo? Pra que constituir uma família, se a escassez de cumplicidade e sinceridade tem impedido? Pra que ir a igreja, se as maiores punhaladas você recebe lá dentro? Somos trocados, dispensáveis, descartáveis... Objeto do tentar e de nunca conseguir, somos alvos de alguém que desiste no meio do caminho, somos DNA e só.

Um homem chamado Jesus chega na Av. Rio Branco e observa essas pessoas ávidas por um reconhecimento, cheias de lágrimas petrificadas, de frustrações em seus olhares, de cansaço em suas costas e surpreende a todos quando os olha com aquele jeitinho de apaixonado e eles se perguntam: o que é isso? Que sentimento é esse? Não tem espaço pra ele dentro da nossa agenda. E eles estão prontos a tirar seus questionamentos de dentro do escritório da mente quando Ele diz o indizível: "Não se vendem dois pardais por uma moedinha? Contudo, nenhum deles cai no chão sem o consentimento do Pai de vocês. Até os cabelos da cabeça de vocês estão todos contados. Portanto, não tenham medo; vocês valem mais do que muitos pardais!"

(Mateus 10.29-31)

Nos dias de Jesus uma moedinha era a menor fração de dinheiro em circulação. E uma moedinha dessas podia comprar dois pardais. Em outras palavras, qualquer um podia possuir dois pardais. No evangelho de Lucas, Jesus dá um passo adiante: "Não se vendem cinco pardais por duas moedinhas? Contudo, Nenhum deles é esquecido por Deus." (Lucas12. 6). Uma moedinha comprava dois pardais. Duas moedinhas, no entanto, compravam cinco. O vendedor dava o quinto de brinde.

...

Vi o mundo ser convidativo, parecer colorido, alegre, vislumbrante, e de repente quando aceitei o convite, vi o quão amargo e frio ele é, vi máscaras, vi neuroses enlatadas... escondido nos escombros da casa que desmoronou e aí vi o mundo ser convidativo de novo, com a mesma fala, com a mesma pretensão de beleza, com o mesmo trejeito, prometendo bonecos de cera no lugar de seres com alma e achando isso o melhor negócio da sua empresa.

Aquele homem pára bem ali no meio da Av. Rio branco e começa a discorrer sobre a pequenez das pessoas que passam, passam e passam em saltos finos e sapatos de luxo, porém com meias furadas. Tão atarefadas, cheias de status, títulos, pódios e ainda sim se achando o quinto pardal, aquele que não vale nada, só porque alguém um dia ousou dizer isso nas entrelinhas das atitudes; então o homem, parou um pouco, respirou e olhou ao redor e olhou de novo e viu por trás de cada olho, por trás de cada fronha de travesseiro e como se estivesse a chorar por dentro, disse-lhes: Acredite em mim, você já é importante.